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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Gilberto Gil


Gilberto Gil tem uma carreira extensa e cheia de acertos, mas confesso não ter muita dificuldade em apontar seu melhor trabalho. Me refiro ao espetacular Expresso 2222 (1972), álbum que celebra a volta do artista ao Brasil após três anos exilado em Londres.

O disco começa ao som regional da Banda de Pífanos de Caruaru em "Pipoca Moderna", faixa de autoria do Caetano Veloso. Essa influência da música folclórica brasileira percorre por todo o álbum. Isso fica evidente no sotaque nordestino da espetacular "O Canto da Ema", com direito a solo de baixo do Bruce Henri e groove desconcertante de bateria do Tutty Moreno. Em "Chiclete Com Banana" (eternizada por Jackson do Pandeiro), Gil traz uma levada sofisticada com forte influência da Bossa Nova.

O álbum contém uma das faixas mais rockeiras do Gilberto Gil, a ótima "Back in Bahia", que narra a saudade do Brasil durante seu exílio. Instrumentalmente é a guitarra imponente do lendário Lanny Gordin que salta aos ouvidos. Outras canções que trazem a participação do guitarrista é a psicodélica "Ele e Eu" (com direito a uma harmonia estranhíssima) e o forró-rockeiro "Sai do Sereno", com direito a mais uma performance espetacular do baterista Tutty Moreno.

"Expresso 2222" é uma das composições mais conhecidas do repertório do Gilberto Gil. Ela chama atenção por sua levada de violão bastante particular. Se não bastasse seu groove desconcertante ao tocar e cantar, a harmonia de músicas como "O Sonho Acabou" e "Oriente" beira o absurdo.

"Cada Macaco no seu Galho (Cho Chuá)" tem a participação de Caetano Veloso, celebrando com Gil uma das melhores parcerias da música brasileira. "Vamos Passear no Astral" e "Está Na Cara, Está Na Cura" fecham o álbum em clima carnavalesco e lisérgico.

Gilberto Gil fez ótimos discos na fase tropicalista (vide Gilberto Gil, de 1969) e outros posteriores ao Expresso 2222 (vide Refazenda, de 1975), mas é mesmo este clássico álbum de 1972 que colocou o artista entre os grandes nomes da música brasileira.

Texto retirado de | País do Baurets

1972 | EXPRESSO 2222

01. Pipoca Moderna
02. Back In Bahia
03. O Canto Da Ema
04. Chiclete Com Banana
05. Ele E Eu
06. Sai Do Sereno
07. Expresso 2222
08. O Sonho Acabou
09. Oriente

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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Tropicália ou Panis et Circensis


"A música não existe (...). Sei que alguma coisa nova se cria a partir daí e o resto não me interessa" (Rogério Duprat). "Ê bumba-iê-iê-boi" (Gilberto Gil & Torquato Neto). "Nara - Pois é... e o Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga... e Pixinguinha... Os Mutantes - Pois é... e os Jefferson's Airplane (sic) e os Mamas & the Papas... e..."

Maio de 68. Vietnã. Barricadas em Paris. Passeata dos cem mil, Rio de Janeiro. Primavera de Praga. Marthin Luther King. Flower power, 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick. AI-5. Panteras Negras. Arte pop. Crimes, espaçonaves guerrilhas.

Não são absolutamente memórias pessoais. Fragmentos da iconografia da época. O primeiro passo quando a tarefa é falar de alguma obra emblemática de uma época (sobretudo se você não esteve lá) é pesquisar todo o material disponível para reconstituir o clima e os acontecimentos que foram desaguar naquele produto em particular. Mas um disco-manifesto como Tropicália ou Panis et Circencis fala por si só. E o que ele fala?

A capa apresenta os atores do carnaval tropicalista. Os Mutantes e suas guitarras elétricas. Tom Zé, Caetano com Nara Leão (os mais belos joelhos da bossa nova) no colo (numa fotografia). O Maestro Rogério Duprat prestando uma homenagem a Marcel Duchamp (que havia falecido em 1967). Gal Costa com uma foto de Capinam. Torquato Neto (poeta e suicida). A contracapa descreve o roteiro e inscreve a data lendária: maio de 68. Os padrinhos despejam suas benções: Augusto de Campos e João Gilberto.

Tropicália ou Panis et Circencis era para ser o manifesto tropicalista. Vinte anos depois é um documento histórico. Se a música não existia mais, era preciso romper com as camisas de força que regiam a música popular, as falsas dicotomias, participação popular versus invenção, local versus universal. Vicente Celestino se encontra com os Beatles. O tropicalismo, como um momento de efervescência cultural, comunica-se diretamente com o modernismo da Semana de 1922. E dá-lhe antropofagia: as referências de parentesco são explícitas e encaixadas em contextos novos.


A qualidade documental da tropicália não o transforma num disco datado. Uma colagem mantida unida com o cola-tudo privilegiado das musicalidades de Caetano Veloso e Gilberto Gil. A pérola do brega, "Coração Materno", é de Vicente Celestino. O beguin "Três Caravelas" ("um navegante atrevido saiu de Palos um dia / ia com três caravelas / a Pinta, a Nina e a Santa Maria") é uma versão de João de Barro, e a nota regionalista, "Hino ao Senhor do Bonfim da Bahia", que fecha com tom épico o LP, é de João Antônio Wanderley.

O humor é, sem dúvida, um conservante poderoso. "Lindonéia", um bolero na voz extra-suave de Nara, anuncia que há "cachorros mortos nas ruas / policiais vigiando / o sol batendo nas frutas / sangrando, oh, meu amor, a solidão vai me matar de dor". Os primeiros acordes de "A Internacional" servem como arauto a Caetano convidando a um passeio nos Estados Unidos do Brasil, "debaixo das bombas / das bandeiras / debaixo das botas / debaixo das rosas dos jardins / debaixo da lama / debaixo da cama". Em "Parque Industrial", o céu de anil e as bandeirolas saúdam o avanço industrial.

Rogério Duprat orquestrou esses estilhaços de modernidade com todos os ritmos, instrumentos, ruídos e técnicas que estavam à mão. Em vez do violão e voz da bossa nova, aqui entram sirenes, distorção de guitarra, efeitos de estúdio, canhões (enquanto Gil rima Brasil e fuzil, com todas as letras) e órgão de igreja. Os metais pontuam ora o violão, ora a guitarra e o baixo, criando texturas distintas de sons.

A geléia geral brasileira teve sua polaróide, em sons e imagens, nítida e multifacetada.

Texto | Bia Abramo, Bizz#041, dezembro de 1988 | Collectors Room

1968 | TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENSIS

01. Gilberto Gil | Miserere Nóbis
02. Caetano Veloso | Coração Materno
03. Os Mutantes | Panis et Circensis
04. Nara Leão | Lindonéia
05. Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes & Caetano Veloso | Parque Industrial
06. Gilberto Gil | Geléia Geral
07. Gal Costa & Caetano Veloso | Baby
08. Gilberto Gil & Caetano Veloso | Três Caravelas [Las Três Carabelas]
09. Caetano Veloso | Enquanto Seu Lobo não Vem
10. Gal Costa | Mamãe, Coragem
11. Gilberto Gil | Bat Macumba
12. Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes & Caetano Veloso | Hino do Senhor do Bom Fim

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